Página:O cortiço.djvu/38

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a sua inveja pelo vizinho com um desdenhoso ar de superioridade condescendente. Ao passar-lhe todos os dias pela venda, cumprimentava-o com proteção, sorrindo sem rir e fechando logo a cara em seguida, muito sério.

Dados os primeiros passos para a compra do titulo abriu a casa e deu festas. A mulher, posto que lhe apontassem já os cabelos brancos, rejubilou com isso.

Zulmira tinha então doze para treze anos e era o tipo acabado da fluminense; pálida, magrinha, com pequeninas manchas roxas nas mucosas do nariz, das pálpebras e dos lábios, faces levemente pintalgadas de sardas. Respirava o tom úmido das flores noturnas, uma brancura fria de magnólia; cabelos castanho-claros, mãos quase transparentes, unhas moles e curtas, como as da mãe, dentes pouco mais claros do que a cútis do rosto, pés pequeninos, quadril estreito mas os olhos grandes, negros, vivos e maliciosos.

Por essa época, justamente, chegava de Minas, recomendado ao pai dela, o filho de um fazendeiro importantíssimo que dava belos lucros à casa comercial de Miranda e que era talvez o melhor freguês que este possuía no interior.

O rapaz chamava-se Henrique, tinha quinze anos e vinha terminar na corte alguns preparatórios que lhe faltavam para entrar na Academia de Medicina. Miranda hospedou-o no seu sobrado da Rua do Hospício mas o estudante queixou-se, no fim de alguns dias, de que ai ficava mal acomodado, e o negociante, a quem não convinha desagradar-lhe, carregou com ele para a sua residência particular de Botafogo.