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Monteiro Lobato

Um só recurso lhe restava: reduzir a pão duro seus amados livros.

Fel-o, mas com que magoa! Como vacillou na escolha da primeira victima! E como lhe doeu o sordido negocismo do belchior, miseravel depreciador da "mercadoria" sempre com o fito de obtel-a pelo minimo!

Era este belchior certo judeu mulato, com um "sebo" á rua do Cattete. Mulato de barbicha ironica, propria para coçadelas nos momentos de engatilhar o preço. Tinha um geito irritante de pegar nos livros e de ler o titulo por baixo dos oculos, como se os cheirasse. Typo desagradavel de mumia resurrecta, em prefeita harmonia com a sordidez da casa.

Que vitrina! Já alli se lhe annunciava a alma. Livros encardidos, brochuras de cantos surrados, canetas de vintem, lapis "quebra-a-ponta", tinteiros de refugo—tudo desbotado pelo sol e tamisado pela horrivel poeira negra da rua. Dentro, um cheiro de velhice, mixto de mofo e ranço — bafio proveniente metade da mumia, metade das estantes prenhes de brochuras infectas.

Pois foi nas garras de tal aranha barbada que o pobre contemplativo cahiu, e um a um