Saltar para o conteúdo

Página:O precursor do abolicionismo no Brasil.pdf/243

Wikisource, a biblioteca livre
O PRECURSOR DO ABOLICIONISMO NO BRASIL
227

Gama encontrou-se, talvez sem o saber, numa encruzilhada de sua existência. Trazia, como o Fausto, de Goethe, duas almas adversárias, que se adivinham e se pressentem em toda a sua obra social: o odio inextinguivel contra a opressão da raça branca, que lhe roubara a mãi, que o fizera escravo contra toda a razão e contra toda a moral, um odio que o havia de ter martirizado até quando, por ser baiano, o refugaram para pagem e lhe impuzeram a miseravel condição posterior; e uma bondade quasi angélica, inata, congênita, tão espontanea e nativa que ele, em toda a sua vida, nunca a pôde esconder. A primeira alma vinha-lhe, sem duvida, como herança materna. Ele mesmo confessa as qualidades de rebeldia e de inconformismo de Luiza Mahin. A outra só seria imputavel ao caracter do pai, o estroina, jogador, amante de súcias e de farras...

Ingressando para a Polícia, acoutando-se nas hostes que mantinham a autoridade, ninguem sabe que homem brotaria dali e qual das duas qualidades fundamentais de seu temperamento sobrepujaria a outra, nos embates da luta quotidiana, mais dificeis de vencer que todos os momentos supremos dos homens. O gesto de inclinar-se para a Força Publica poderia fazer supor nele a supremacia dos instintos belicosos a procurar uma válvula comoda para a satisfação de seus odios. No cumprimento dos seus deveres de mantenedor da ordem, encontraria sempre a maneira de desalterar a sua raiva impotente contra a sociedade cruel...

Salvou-o Furtado de Mendonça, tomando-o como