Página:Obras completas de Fagundes Varela (1920), I.djvu/217

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P'ra que lançassem de minh'alma aos ermos
— De mim mesmo, um profundo esquecimento.
Pedi a Deus — um existir de bruto, —
Matéria impura sem pensar nem dores.
Mas nem um gozo iluminou-me a vida,
Nem uma fonte límpida e serena
Rebentou — pelo Sáara — de minh'alma!

Errei nessas paragens encantadas
Onde à sombra de um bosque de palmeiras
Regatos correm de serenas águas:
Ouvi ave sonora se embalando,
A morredoura luz de amenas tardes
Lançar gorjeios de saudade infinda;
céu de azul me iluminava a fronte
Com torrentes de luz, as flores todas
Me incensavam de aromas suavíssimos.
Mas — o riso da flor — o som das brisas —
A criação pejada de perfumes
Contando aos astros em linguagem doce
Suas legendas de amores e sorrisos,
Não podiam sequer matar-me n'alma
O negro viso de uma dor sem termos!
De deserto em deserto se acampando
Os pastores da Arábia a vida passam;
Como eles vagabundo, — eivado o seio,
De dor em dor com vagarosos passos
Atravesso os desertos da existência!

Cansado de lutar sobre esta vida,
Senti um dia esmorecer no crânio
A centelha da crença e da esperança.
Por altas noites, na mansão dos mortos
Quando a terra dormia, mergulhado
Em negro pesadelo, errei sombrio