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Glosa.
Querendo Amor esconder-vos
Em parte que vos não visse,
Co’o extremo de querer-vos
Cegou-me os olhos com ver-vos,
Levou-vos, sem que vos visse.
Eu cego, mas atinado,
Quando vi que vos não via,
Do mesmo Amor indignado,
Ja vêdes qual ficaria
Sem vós e com meu cuidado.
Mote
Retrato, vós não sois meu;
Retratárão-vos mui mal;
Que a serdes meu natural,
Foreis mofino como eu.
Glosa.
Indaqu’em vós a arte vença
O que o natural tẽe dado,
Não fostes bem retratado;
Que ha em vós mais differença,
Que no vivo do pintado.
Se o lugar se considera
Do alto estado, que vos deu
A sorte, qu’eu mais quizera;
Se he qu’eu sou quem d’antes era,
Retrato, vós não sois meu.
Vós na vossa glória pôsto,
Eu na minha sepultura,