Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/163

Wikisource, a biblioteca livre
164

Desampare a prisão onde s’encerra;

Ao som das negras ágoas do Cocito,
Ao pé dos carregados arvoredos
Cantarei o que n’alma tenho escrito.

E por entre estes horridos penedos
A quem negou Natura o claro dia,
Entre tormentos asperos e medos,

Com a trémula voz, cansada e fria,
Celebrarei o gesto claro e puro,
Que nunca perderei da phantasia.

O Musico de Thracia, ja seguro
De perder sua Eurydice, tangendo
Me ajudará ferindo o ar escuro.

As namoradas sombras, revolvendo
Memorias do passado, me ouvirão;
E com seu chôro o rio irá crescendo.

Em Salmonêo as penas faltarão,
E das filhas de Belo juntamente
De lagrimas os vasos s’encherão.

Que se amor não se perde em vida ausente,
Menos se perderá por morte escura:
Porque, emfim, a alma vive eternamente,

E amor he effeito d’alma, e sempre dura.


ELEGIA III.

O poeta Simonides fallando
Co’o Capitão Themistocles hum dia,
Em cousas de sciencia praticando;