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Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/169

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Emfim, outra Veneza trasladada.

Nella nos detivemos sós dous dias,
Que forão para alguns os derradeiros,
Pois passárão da Estyge as ondas frias.

Qu’estes são os remedios verdadeiros
Que para a vida estão apparelhados
Aos que a querem ter por cavalleiros.

Oh Lavradores bem-aventurados!
Se conhecessem seu contentamento,
Como vivem no campo socegados!

Dá-lhes a justa terra o mantimento;
Dá-lhes a fonte clara d’ágoa pura;
Mungem suas ovelhas cento a cento.

Não vem o mar irado, a noite escura,
Por ir buscar a pedra do Oriente;
Não temem o furor da guerra dura.

Vive hum com suas árvores contente,
Sem lhe quebrar o somno repousado
A grã cobiça d’ouro reluzente.

Se lhe falta o vestido perfumado,
E da formosa côr de Assyria tinto,
E das torçaes Attalicos lavrado;

Se não tẽe as delicias de Corinto,
E se de Pario os marmores lhe faltão,
O pyropo, a esmeralda e o jacinto;

Se suas casas de ouro não s’esmaltão,
Esmalta-se-lhe o campo de mil flores,
Onde os cabritos seus comendo sáltão.

Alli lhe mostra o campo várias côres;
Vem-se os ramos pender co’o fructo ameno;
Alli se affina o canto dos pastores.