Despois que Magalhães teve tecida
A breve historia sua, que illustrasse
A Terra Santa Cruz, pouco sabida;
Imaginando a quem a dedicasse,
Ou com cujo favor defenderia
Seu livro d'algum zoilo que ladrasse;
Tendo nisto occupada a phantasia,
Lhe sobreveio hum somno repousado,
Antes que o sol abrisse o claro dia.
Em sonhos lhe apparece todo armado
Marte, brandindo a lança furiosa,
Com que fez quem o vio todo enfiado;
Dizendo em voz pezada e temerosa:
Não he justo que a outrem se offereça
Obra alguma que possa ser famosa,
Senão a quem por armas resplandeça
No largo inundo com tal nome e fama,
Que louvor immortal sempre mereça.
Disse assi: quando Apollo, que da flama
Celeste guia os carros, de outra parte
Se lhe presenta, e por seu nome o chama,
Dizendo: Magalhães, postoque Marte
Com seu terror t'espante, todavia
Comigo deves só de aconselhar-te.
Hum Varão sapiente, em quem Thalia
Poz seus thesouros, e eu minha sciencia,
Defender tuas obras poderia.