No fogo em que tu mesmo arder me fazes;
Amor, que sem amor não te contentas,
De tudo com amor te satisfazes,
Quando verei, Amor, o que desejo,
Para que veja, Amor, o que não vejo?
Amor, que com amor me captivaste;
(Se livre póde ser quem não captivas)
Amor, qu’em taes prisões m’asseguraste
As esperanças d’antes fugitivas:
Amor, que suspirando m’ensinaste
A derramar por ti lagrimas vivas,
Quando verei, Amor, o que desejo,
Para que veja, Amor, o que não vejo?
Quando verei hum dia em que offereça
Por ti ao cruel ferro o peito forte,
E cercada de virgens appareça
Na tua soberana e eterna Corte;
Onde lá cada huma te mereça,
Cá passando comigo a propria morte;
E todas dando o sangue juntas, todas
Celebremos comtigo eternas bodas?
Faze-me ja, Senhor, esta vontade
Que tenho de te ver, que sempre tive,
Des que me deo lugar a tenra idade,
E lume de razão nesta alma vive.
Não queiras, meu Amor, que a saudade
Sem tal bem a mi só da vida prive;
Que se muito se alarga este destêrro,
Por ella irei a ti, não por o ferro.
Desata o meu espirito saudoso,
Do nó mortal em que se vai detendo,
Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/241
Aspeto
242