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SONETOS.
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LII.

Lembranças saudosas, se cuidais
De me acabar a vida neste estado,
Não vivo com meu mal tão enganado,
Que não espere delle muito mais.

De longo tempo ja me costumais
A viver de algum bem desesperado:
Ja tenho co'a Fortuna concertado
De soffrer os tormentos que me dais.

Atada ao remo tenho a paciencia
Para quantos desgostos der a vida;
Cuide quanto quizer o pensamento.

Que pois não posso ter mais resistencia
Para tão dura quéda, de subida,
Aparar-lhe-hei debaixo o soffrimento.



LIII.

Apartava-se Nise de Montano,
Em cuja alma, partindo-se, ficava;
Que o pastor na memoria a debuxava,
Por poder sustentar-se deste engano.

Por huma praia do Indico Oceano
Sôbre o curvo cajado se encostava,
E os olhos por as águas alongava,
Que pouco se doião de seu dano.

Pois com tamanha mágoa e saudade,
(Dizia) quiz deixar-me a que eu adoro,
Por testimunhas tómo ceo e estrellas.

Mas se em vós, ondas, mora piedade,
Levai tambem as lagrimas que chóro,
Pois assi me levais a causa dellas.