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SONETOS.
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LVI.

Naiades, vós que os rios habitais,
Que os saudosos campos vão regando,
De meus olhos vereis estar manando
Outros que quasi aos vossos são iguais.

Dryades, que com setta sempre andais
Os fugitivos cervos derribando,
Outros olhos vereis, que triumphando
Derribão corações, que valem mais.

Deixai logo as aljavas e águas frias,
E vinde, Nymphas bellas, se quereis,
A ver como de huns olhos nascem mágoas.

Notareis como em vão passão os dias;
Mas em vão não vireis, porque achareis
Nos seus as settas, e nos meus as ágoas.



LVII.

Mudão-se os tempos, mudão-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo he composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Differentes em tudo da esperança:
Do mal ficão as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que ja coberto foi de neve fria,
E em mi converte em chôro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda ja como sohia.