Aquella fera humana que enriquece
A sua presunçosa tyrannia
Destas minhas entranhas, onde cria
Amor hum mal, que falta quando crece;
Se nella o Ceo mostrou (como parece)
Quanto mostrar ao mundo pretendia,
Porque de minha vida se injuria?
Porque de minha morte se ennobrece?
Ora, em fim, sublimai vossa victoria,
Senhora, com vencer-me e captivar-me:
Fazei della no mundo larga historia.
Pois, por mais que vos veja atormentar-me,
Ja me fico logrando desta gloria
De ver que tendes tanta de matar-me.
Ditoso seja aquelle que somente
Se queixa de amorosas esquivanças;
Pois por ellas não perde as esperanças
De poder n'algum tempo ser contente.
Ditoso seja quem estando ausente
Não sente mais que a pena das lembranças;
Porqu'inda que se tema de mudanças,
Menos se teme a dor quando se sente.
Ditoso seja, em fim, qualquer estado,
Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem hum coração atormentado.
Mas triste quem se sente magoado
De erros em que não póde haver perdão
Sem ficar na alma a mágoa do peccado