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SONETOS.
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LXXXVIII.

Esfôrço grande, igual ao pensamento,
Pensamentos em obras divulgados,
E não em peito timido encerrados,
E desfeitos despois em chuva e vento;

Ánimo da cobiça baixa isento,
Digno por isto só de altos estados,
Fero açoute dos nunca bem domados
Povos do Malabar sanguinolento;

Gentileza de membros corporaes
Ornados de pudica continencia,
Obra por certo da celeste altura:

Estas virtudes raras e outras mais,
Dignas todas da Homerica eloquencia,
Jazem debaixo desta sepultura.



LXXXIX.

No mundo quiz o Tempo que se achasse
O bem que por acêrto, ou sorte vinha;
E por exprimentar que dita tinha,
Quiz que a Fortuna em mi se exprimentasse.

Mas porque o meu destino me mostrasse
Que nem ter esperanças me convinha,
Nunca nesta tão longa vida minha
Cousa me deixou ver que desejasse.

Mudando andei costume, terra, estado,
Por ver se se mudava a sorte dura;
A vida puz nas mãos de hum leve lenho.

Mas, segundo o que o Ceo me tẽe mostrado,
Ja sei que deste meu buscar ventura
Achado tenho ja que não a tenho.