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SONETOS.
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XCII.

Que poderei do mundo ja querer,
Pois no mesmo em que puz tamanho amor,
Não vi senão desgôsto e desfavor,
E morte, em fim; que mais não póde ser?

Pois me não farta a vida de viver,
Pois ja sei que não mata grande dor,
Se houver cousa que mágoa dê maior,
Eu a verei; que tudo posso ver.

A Morte, a meu pezar, me assegurou
De quanto mal me vinha: ja perdi
O que a perder o medo me ensinou.

Na vida desamor somente vi,
Na morte a grande dor que me ficou:
Parece que para isto só nasci.



XCIII.

Pensamentos, que agora novamente
Cuidados vãos em mi resuscitais,
Dizei-me: E ainda não vos contentais
De ter a quem vos tẽe tão descontente?

Que phantasia he esta, que presente
Cad'hora ante os meus olhos me mostrais?
Com huns sonhos tão vãos inda tentais
Quem nem por sonhos póde ser contente?

Vejo-vos, pensamentos, alterados,
E não quereis, de esquivos, declarar-me
Que he isto que vos traz tão enleados?

Não mo negueis, se andais para negar-me;
Porque se contra mi 'stais levantados,
Eu vos ajudarei mesmo a matar-me.