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Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/130

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SONETOS.


CX.

Onde porei meus olhos que não veja
A causa de que nasce o meu tormento?
A qual parte me irei co'o pensamento,
Que para descansar parte me seja?

Ja sei como se engana quem deseja
Em vão amor fiel contentamento;
E que nos gostos seus, que são de vento,
Sempre falta seu bem, seu mal sobeja.

Mas inda, sôbre o claro desengano,
Assi me traz esta alma sobjugada,
Que delle está pendendo o meu desejo.

E vou de dia em dia, de anno em ano,
Apoz hum não sei que, apoz hum nada,
Que quanto mais me chego, menos vejo.



CXI.

Ja do Mondego as águas apparecem
A meus olhos, não meus, antes alheios,
Que de outras differentes vindo cheios,
Na sua branda vista inda mais crecem.

Parece que tambem forçadas decem,
Segundo se detem em seus rodeios.
Triste! por quantos modos, quantos meios,
As minhas saudades me entristecem!

Vida de tantos males salteada,
Amor a põe em termos, que duvida
De conseguir o fim desta jornada.

Antes se dá de todo por perdida,
Vendo que não vai da alma acompanhada,
Que se deixou ficar onde tẽe vida.