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SONETOS.


CXXII.

Mil vezes determino não vos ver,
Por ver se abranda mais o meu penar:
E se cuido de assi me magoar,
Cuidai o que será, se houver de ser.

Pouco me importa ja muito soffrer,
Despois que Amor me poz em tal lugar;
E o que inda me doe mais he só cuidar,
Que mal sem esta dor posso viver.

Assi não busco eu cura contra a dor,
Porque, buscando alguma, entendo bem
Que nesse mesmo ponto me perdi.

Quereis que viva, em fim, neste rigor?
Somente o querer vosso me convem.
Assi quereis que seja? Seja assi.



CXXIII.

A chaga que, Senhora, me fizestes,
Não foi para curar-se em hum só dia;
Porque crescendo vai com tal porfia,
Que bem descobre o intento que tivestes.

De causar tanta dor vos não doestes?
Mas a doer-vos, dor me não sería,
Pois ja com esperança me veria
Do que vós que em mi visse não quizestes.

Os olhos com que todo me roubastes
Forão causa do mal que vou passando;
E vós estais fingindo o não causastes.

Mas eu me vingarei. E sabeis quando?
Quando vos vir queixar porque deixastes
Ir-se a minha alma nelles abrazando.