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Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/147

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SONETOS.
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CXLIV.

Que modo tão subtil da natureza
Para fugir ao mundo e seus enganos!
Permitte que se esconda em tenros anos
Debaixo de hum burel tanta belleza!

Mas não póde esconder-se aquella alteza
E gravidade de olhos soberanos,
A cujo resplandor entre os humanos
Resistencia não sinto, ou fortaleza.

Quem quer livre ficar de dor e pena,
Vendo-a ja, ja trazendo-a na memoria,
Na mesma razão sua se condena.

Porque quem mereceo ver tanta gloria
Captivo ha de ficar; que Amor ordena
Que de juro tenha ella esta victoria.



CXLV.

Quando se vir com água o fogo arder,
Juntar-se ao claro dia a noite escura,
E a terra collocada lá na altura
Em que se vem os ceos prevalecer;

Quando Amor á Razão obedecer,
E em todos for igual huma ventura,
Deixarei eu de ver tal formosura,
E de a amar deixarei depois de a ver.

Porém não sendo vista esta mudança
No mundo, porque, em fim, não póde ver-se,
Ninguem mudar-me queira de querer-vos.

Que basta estar em vós minha esperança,
E o ganhar-se a minha alma, ou o perder-se,
Para dos olhos meus nunca perder-vos.