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SONETOS.


CLIV.

Que esperais, esperança?  Desespéro.
Quem disso a causa foi?  Hũa mudança.
Vós, vida, como estais?  Sem esperança.
Que dizeis, coração?  Que muito quero.

Que sentis, alma, vós?  Que amor he fero.
E, em fim, como viveis?  Sem confiança.
Quem vos sustenta, logo?  Huma lembrança.
E só nella esperais?  Só nella espero.

Em que podeis parar?  Nisto em que estou.
E em que estais vós?  Em acabar a vida.
E ténde-lo por bem?  Amor o quer.

Quem vos obriga assi?  Saber quem sou.
E quem sois?  Quem de todo está rendida.
A quem rendida estais?  A hum só querer.



CLV.

Se como em tudo o mais fostes perfeita,
Foreis de condição menos esquiva,
Fôra a minha fortuna mais altiva,
Fôra a sua altiveza mais sujeita.

Mas quando a vida a vossos pés se deita,
Porque não a acceitais, não quer que eu viva:
Ella propria de si ja a mi me priva;
Que, porque me engeitais, tambem me engeita.

Se nisso contradiz vossa vontade,
Mandai-lhe vós, Senhora, que dê fim
Á minha profundissima tristeza.

Pois ella não mo dá, porque piedade
Tenha deste meu mal, mas porque em mim
Possais assi fartar vossa crueza.