Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/169

Wikisource, a biblioteca livre
SONETOS.
95


CLXXXVIII.

Espanta crescer tanto o crocodilo
Só por seu limitado nascimento;
Que, se maior nascêra, mais isento
Estivera de espanto o patrio Nilo.

Em vão levantará meu baixo estilo
Vosso Pontifical, novo ornamento;
Pois no ventre o immortal merecimento
Vo-lo talhou, para despois vesti-lo.

Tardou, mas veio; que a quem mais merece
Vir o premio mais tarde he sempre certo,
Inda que vez alguma venha cedo.

Os ceos, que do primeiro estão mais perto,
Mais devagar se movem. Quem conhece,
Sôbre aquelle segredo, este segredo!



CLXXXIX.

Ornou sublime esfôrço ao grande Atlante,
Com qu'a celeste máchina sustenta;
Honrou a Homero o engenho, com que intenta
Grecia do quarto ceo passá-lo avante;

Coroou claro Amor de amor constante
A Orpheo, na paz firme e na tormenta;
Inspirou a Fortuna, em tudo isenta,
A Cesar, de quem foi hum tempo amante;

Exaltaste tu, Fama, a gloria alta
De Alcides lá no monte em que resides;
Mas Castro, em quem o Ceo seus dões derrama,

Mais orna, honra, coroa, inspira, exalta,
Que Atlante, Homero, Orpheo, Cesar e Alcides,
Esfôrço, engenho, Amor, Fortuna e Fama.