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Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/174

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SONETOS.


CXCVIII.

Desce do ceo immenso Deos benino
Para encarnar na Virgem soberana.
Porque desce o divino a cousa humana?
Para subir o humano a ser divino.

Pois como vem tão pobre e tão menino,
Rendendo-se ao poder da mão tyrana?
Porque vem receber morte inhumana
Para pagar de Adão o desatino.

He possivel que os dous o fructo comem
Que de quem lhes deo tanto foi vedado?
Si; porque o proprio ser de deoses tomem.

E por esta razão foi humanado?
Si; porque foi com causa decretado,
Se quiz o homem ser Deos, que Deos fosse homem.



CXCIX.

Dos ceos á terra desce a mor Belleza,
Une-se á nossa carne, e a faz nobre;
E, sendo a humanidade d'antes pobre,
Hoje subida fica á mor riqueza.

Busca o Senhor mais rico a mor pobreza;
Que, como ao mundo o seu amor descobre,
De palhas vis o corpo tenro cobre,
E por ellas o mesmo ceo despreza.

Como? Deos em pobreza á terra dece?
O qu'he mais pobre tanto lhe contenta,
Qu'este somente rico lhe parece.

Pobreza este Presepio representa;
Mas tanto por ser pobre ja merece,
Que quanto mais o he, mais lhe contenta.