Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/220

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formosas,{146}
Que o Amor de si mesmo se temia;
Mas mais temia o pensamento falto
De não ser para ter temor tão alto.
  Agora tudo está tão differente,
Que move os corações a grande espanto;
E parece que Jupiter potente
Se enfada ja d'o mundo durar tanto.
O Tejo corre turvo e descontente,
As aves deixão seu suave canto,
E o gado, inda que a herva lhe fallece,
Mais que da falta della se emmagrece.
            FRONDELIO.
  Umbrano irmão, decreto he da natura,
Inviolavel, fixo e sempiterno,
Que a todo bem succeda desventura,
E não haja prazer que seja eterno:
Ao claro dia segue a noite escura,
Ao suave verão o duro inverno;
E se ha cousa que saiba ter firmeza,
He somente esta lei da natureza.
  Toda alegria grande e sumptuosa
A porta abrindo vem ao triste estado:
Se hum'hora vejo alegre e deleitosa,
Temendo estou do mal apparelhado.
Não vês que mora a serpe venenosa
Entre as flores do fresco e verde prado?
Ah! não te engane algum contentamento;
Que mais instavel he que o pensamento.
  E praza a Deos que o triste e duro fado
De tamanhos desastres se contente;
Que sempre hum grande mal inopinado{