Em quanto os peixes humidos tiverem
As areosas covas deste rio,
E correndo estas águas conhecerem
Do largo mar o antiguo senhorio;
E em quanto estas hervinhas pasto derem
Ás petulantes cabras, eu te fio
Que em virtude dos versos que cantaste
Sempre viva o pastor que tanto amaste.
Mas ja que pouco a pouco o sol nos falta,
E dos montes as sombras se accrescentão;
De flores mil o claro ceo se esmalta,
Que tão ledas aos olhos se presentão;
Levemos por o pé desta serra alta
Os gados, que ja agora se contentão
Do que comido tẽe, Frondelio amigo:
Anda; que até o outeiro irei comtigo.
FRONDELIO.
Antes por este valle, amigo Umbrano,
Se t'aprouver, levemos as ovelhas;
Porque, se eu por acêrto não me engano,
De lá me sôa hum eco nas orelhas:
O doce accento não parece humano.
E, se em contrário tu não m'aconselhas,
Eu quero descobrir que cousa seja;
Que o tom m'espanta, e a voz me faz inveja.
UMBRANO.
Comtigo vou, que quanto mais me chego,
Mais gentil me parece a voz que ouviste,
Peregrina, excellente; e não te nego
Que me faz cá no peito a alma triste.
Vês como tẽe os ventos em socêgo?{156}
Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/229
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