Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/309

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Mas o deos do Hellesponto não dormia;
Que hum novo amor o somno lh'impedia.
  Mas ella emfim, os braços estendendo,
Em ramos se lhe forão transformando;
Em raizes os pés se vão torcendo;
E o nome Loto só lhe vai ficando.
Vêde, Napêas, este caso horrendo,
Que vos está de longe ameaçando.
Assi tambem daquella, a quem seguia
O sacro Pan, a fórma se perdia.
  Que vos direi de Filis, pois perdida
Da saudosa dor com que vivia,
Á desesperação emfim trazida
Do comprido esperar de dia em dia,
Por desatar do corpo a triste vida
Atava ao collo a cinta que trazia.
Mas o tronco sem fôlha por o monte
Rhodope abraça o lento Demophonte.
  Nas boninas, tambem vereis Jacinto,
Porquem Phebo de si se queixa em vão;
Vereis o monte Idalio em sangue tinto
Do neto de seu pae, da mãe irmão.
Chora Venus a dor do moço extinto,
Maldiz o ceo e a terra, com razão;
A terra, porque logo não se abrio;
O ceo, porque tal morte permittio.
  E tu, constante Clycie, a quem fallece
A fé de teus amores enganosos,
No louro amante, que de ti s'esquece,
S'esquecem os teus olhos saudosos.
Nenhum alegre estado permanece;{236}