Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/315

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troca?{241}
  Dar-te-hei minh'alma: lá ma tens roubada:
Não ta demandarei: dá-me por ella
Huma só volta d'olhos descuidada.
  Se muito te parece, e minha estrella
Não consentir ventura tão ditosa,
Dou-te as azas do Amor perdidas nella.
  Que mais te posso dar, Nympha formosa,
Inda que o mar d'aljofar me cubríra
Toda esta praia leda e graciosa?
  Amansão-se ondas, quebra o vento a ira:
Minha tormenta só nunca socega;
O meu peito arde em vão, em vão suspira.
  Anda no romper d'alva a nevoa cega
Sôbre os montes d'Arrabida viçosos,
Em quanto o solar raio lhes não chega.
  Eu, vendo apparecer outros formosos
Raios, que a graça e côr ao ceo roubárão,
Se os olhos cegos vi, vejo saudosos.
  Quantas vezes as ondas se encrespárão
Com meus suspiros! quantas com meu pranto
As fiz parar de mágoa e me escutárão!
  Se na fôrça da dor a voz levanto,
E ao som do remo, que ágoa vai ferindo,
Perante a lua meu cuidado canto;
  Os maviosos delfins m'estão ouvindo;
A noite socegada; o mar callado:
Tu só foges d'ouvir-me, e te vás rindo.
  Estranhas, por ventura, o mar cercado
Da fraca rede; a barca ao vento solta;
E hum pobre pescador aqui lançado?
  Antes que o sol no ceo cerre huma volta{242}