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Coitado de quem traz a duvidosa
Vida no mar e terra aventurada!
Bem podes com razão ser piedosa
Com quem não quer mor bem, que bem quererte,
Não sendo tão cruel como es formosa.
Ora deixa ja, ingrata, deixa ver-te
A meus cansados olhos, que de tantas
Lagrimas são movidos, sem mover-te.
Se tu me vences, e se tu m'encantas
Com tua doce falla, doce riso,
Porque foges de mi? porque te espantas?
Lembre-te a formosura de Narciso,
E qual pago lhe deo seu desamor:
Ólha que com amor disto te aviso.
Mas quando essa crueza tanta for,
Que mereça do ceo novo castigo,
Qual herva será digna de tal flor?
Amor que me persegue, Amor que sigo,
Me faz d'hum grave mal andar temendo;
D'hum mal, qu'eu sinto na alma e que não digo.
Quanto mais ledo ja te estive vendo
Aqui as mansas ondas esperando,
Que por chegar a ti vinhão correndo,
E da molhada areia despegando
Com a candida mão roxas conchinhas,
A fórma do teu pé nella deixando?
Daquellas, de que tu mais gôsto tinhas,
Muitas te trago aqui, postoque temo
Que menos o terás por serem minhas.
Hum temor tal me chega a tal extremo,
Que, vencido d'hum triste esquecimento,{
Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/322
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