Saltar para o conteúdo

Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/328

Wikisource, a biblioteca livre

  Vamos alli, que alli bosque sombrio
Nos dara fresco abrigo, assento o prado,
Formosa vista o valle, o monte, o rio:
  O rio, que verás tão socegado,
Que te parecerá que se arrepende
De levar ágoa doce ao mar salgado.
  Nem cabra, nem ovelha alli offende
Herva, folha, nem flor, ou ferro duro:
A planta polo ar livre se estende.
  Verás cahindo em gottas crystal puro
No vão d'huma caverna carcomida,
Por entre o musgo molle, verde-escuro.
            ANZINO.
  Quem traz á saudade a alma rendida,
A saudade busca, onde descansa;
Maso descanso della encurta a vida.
  Com tudo, quem do ceo na terra alcansa
Poder gozar-se desta liberdade,
Que mais deseja ter? que mais o cansa?
  Affirmo-te de mi esta verdade,
Que muitos valles vi, muitas ribeiras;
Mas esta me dobrou a saudade.
  Oh que viçosas murtas! que oliveiras!
Que freixos! como estão d'hera cingidos!
Quantas voltas lhes dá de mil maneiras!
  Os lirios junto d'ágoa bem nascidos
Quanta graça que tẽe entre as boninas,
Sem ordem, com mais graça, entremetidos!
  Vem encrespando as ágoas crystallinas
A branda viração; a fôlha treme;{