Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/344

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  Ao nosso doce canto nos tornemos:
Das nossas Nymphas, bellas inimigas,
Crueza e formosura celebremos.
            ALCIDO.
  Como cantarei eu novas cantigas
Em terra tão esteril, cheia d'ira,
Que nega flores, e que nega espigas?
  Pendurei n'hum salgeiro a minha lira:
Ouvi-la ao som do vento he hũa mágoa:
Em lugar de tanger, geme e suspira.
  A Amarilia pintei, pintada trago-a
Aqui neste meu seio, e tambem chora:
Seus olhos me dão fogo, os meus dão-lhe ágoa.
  Mas vejo vir Galasio.
            DELIO.
                        Venha embora.
Galasio, queres tu cantar comigo?
            GALASIO.
  Eu nunca me roguei: menos agora.
            DELIO.
  Cantaremos d'Amor cruel imigo,
Ou brando e amoroso, em razão pôsto,
Tyranno e cego, e cego até comsigo?
            GALASIO.
  Cada qual cante do que for seu gôsto;
Quer mimos, quer rigores d'Amor fero;
Ou d'olhos verdes cante, ou d'alvo rosto.
            ALCIDO.
  Em quanto vós cantais, recolher quero
O gado; que são horas de ordenhar:
Á noite na malhada vos espero.{