Qual ficará hum'alma, que sabía
Somente desta gloria contentar-se?
Gloria de que gozar não merecia!
Qual poderá ficar quem com lembrar-se
Mortalmente do bem qu'he ja passado,
Só tẽe por melhor vida á morte dar-se?
E qual se póde ver quem hum cuidado
Sostem, que he só da dor certa morada,
E nelle vive só desesperado?
Qual ha de ver-se, ó Nympha delicada,
Hum'alma que te via; e em te vendo
O fio lhe cortou a Parca irada?
A causa deste mal eu não a entendo:
Só entendo que, perdida essa luz pura,
Por perdida a não ver, vivo morrendo.
Vejo que me roubou fortuna escura
Hum bem por quem meu mal me contentava:
Lembra-te tu de tanta desventura.
Lembra-te tu, que só de ti'sperava
Remedio aos males meus; e então verás
Qual ficou quem em ti só confiava.
Lembre-te adonde estou, adonde estás,
E que tudo sem ti cá m'aborrece:
Dest'arte o estado meu entenderás.
SYLVANO.
Não sei por que razão nos amanhece
Este dia dos outros differente,
Com que toda a alegria s'entristece.
O manso gado vejo, que contente
Buscando hia nos campos a verdura,
E dos rios a limpida corrente:{291}
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