Ou d'inveja das hervas que pizavão,
Ou porque tudo ant'elles se baixava:
O ar, o vento, o dia,
D'espiritos continuos influia.
E quando vi que dava entendimento
A cousas fóra delle, imaginei
Que milagres faria em mi que o tinha:
Vi que me desatou da minha lei,
Privando-me de todo sentimento,
E em outra transformando a vida minha.
Com tamanhos poderes d'Amor vinha,
Que o uso dos sentidos me tirava.
E não sei como o dava
Contra o poder e ordem da natura,
Ás arvores, aos montes,
Á rudeza das hervas e das fontes,
Que conhecêrão logo a vista pura.
Fiquei eu só tornado
Quasi em hum rudo tronco d'admirado.
Despois de ter perdido o sentimento,
D'humano hum só desejo me ficava,
Em que toda a razão se convertia.
Mas não sei quem no peito m'affirmava
Que por tão alto e doce pensamento,
Com razão, a razão se me perdia.
Assi que quando mais perdida a via,
Na sua mesma perda se ganhava.
Em doce paz estava
Com seu contrário proprio em hum sogeito.
Oh caso estranho e novo!
Por alta e grande certamente approvo{325}
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