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Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/413

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Qu'eu não passasse, atado á fiel coluna
Do soffrimento meu, que a importuna
Perseguição de males em pedaços
Mil vezes fez á fôrça de seus braços.
  Não conto tantos males, como aquelle
Que despois da tormenta procellosa,
Os casos della conta em porto ledo;
Qu'inda agora a fortuna fluctuosa
A tamanhas miserias me compelle,
Que de dar hum só passo tenho medo.
Ja de mal que me venha não m'arredo,
Nem bem que me falleça ja pretendo;
Que para mi não val astucia humana,
De fôrça soberana,
Da Providencia, emfim, Divina pendo.
Isto que cuido e vejo, ás vezes tomo
Para consolação de tantos danos.
Mas a fraqueza humana quando lança
Os olhos no que corre, e não alcança
Senão memoria dos passados anos;
As ágoas qu'então bebo, e o pão que como,
Lagrimas tristes são, qu'eu nunca domo,
Senão com fabricar na phantasia
Phantasticas pinturas d'alegria.
  Que se possivel fosse que tornasse
O tempo para traz, como a memoria,
Por os vestigios da primeira idade;
E de novo tecendo a antigua historia
De meus doces errores, me levasse
Por as flores que vi da mocidade;
E a lembrança da longa saudade{340}