Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/44

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XL
VIDA

mente soffrêra na costa de Camboja. Pedro Mariz he da mesma opinião, e acrescenta que Fransisco Barreto o mandára preso e capitulado para o reino. E nem um nem outro fazem menção do desterro. Manoel Severim nega que o Viso-Rei Dom Pedro Mascarenhas o provesse em tal Officio, e he de parecer, que tendo o poeta ido na armada que este Viso-Rei mandára ao Estreito do mar roxo a cargo de Manoel de Vasconcellos, voltando a Goa, fizera aquella Satyra contra os que havião festejado a successão de Francisco Barreto; do que este resentido, ou por zelo da justiça, ou por queixas dos motejados, o desterrou no anno de 1556: e a este parecer se encosta Manoel de Faria e Sousa. Mas em tudo isto não ha de verdadeiro, senão que Luis de Camões foi desterrado por Francisco Barreto, como passâmos a demonstrar.

Chegou Luis de Camões a Goa em Setembro de 1553; acompanhou o Viso-Rei Dom Affonso de Noronha na expedição contra o Rei de Chembé, e com elle voltou a Goa; em Janeiro de 1555 ahi estava, porque ahi escreveo a Egloga, Soneto e Carta que dissemos; em 16 de Junho do mesmo anno, em que succedeo no governo Francisco Barreto, ainda ahi estava, como se prova com a mesma Satyra, em que descreve as festas que por essa occasião se fizerão, como testimunha ocular. Logo não foi Luis de Camões provido pelo Viso-Rei Pedro Mascarenhas no cargo de Provedor mor dos defuntos para a China, como affirmão Manoel Correa e Pedro Mariz, nem sahio para o Estreito de Meca na armada de Manoel de Vasconcellos, como conjectura Severim de Faria, porque essa armada voltou a Goa