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Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/443

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Postoque minha não, com tudo amada;
A quem hum bem que tinha
Da doce liberdade desejada,
Pouco a pouco entreguei,
E se mais tenho, mais entregarei;
  Pois natureza irosa
Da razão te deo partes tão contrárias,
Que sendo tão formosa,
Folgues de te queimar em flammas várias,
Sem arder em nenhũa
Mais qu'em quanto allumia o mundo a lũa;
  Pois triumphando vás
Com diversos despojos de perdidos,
Que tu privando estás
De razão, de juizo e de sentidos,
E quasi a todos dando
Aquelle bem que a todos vás negando;
  Pois tanto te contenta
Ver o nocturno moço, em ferro envolto,
Debaixo da tormenta
De Jupiter em ágoa e vento sôlto,
Á porta, que impedido
Lhe tẽe seu bem, de mágoa adormecido;
  Porque não tens receio
Que tantas insolencias e esquivanças
A deosa, que põe freio
A soberbas e doudas esperanças,
Castigue com rigor,
E contra ti se accenda o fero Amor?
  Ólha a formosa Flora;
De despojos de mil suspiros rica,{370}