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S
SONETOS.


XIV.

Todo animal da calma repousava,
Só Liso o ardor della não sentia;
Que o repouso do fogo, em que elle ardia,
Consistia na Nympha que buscava.

Os montes parecia que abalava
O triste som das mágoas que dizia:
Mas nada o duro peito commovia,
Que na vontade de outro posto estava.

Cansado ja de andar por a espessura,
No tronco de huma faia, por lembrança,
Escreve estas palavras de tristeza

Nunca ponha ninguem sua esperança
Em peito feminil, que de natura
Somente em ser mudavel tẽe firmeza.



XV

Busque Amor novas artes, novo engenho
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não póde tirar-me as esperanças,
Pois mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vêde que perigosas seguranças!
Pois não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas com quanto não póde haver desgôsto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor hum mal, que mata e não se vê.

Que dias ha que na alma me tẽe posto
Hum não sei que, que nasce não sei onde;
Vem não sei como; e doe não sei porque.