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SONETOS.


XVIII.

Doces lembranças da passada gloria,
Que me tirou fortuna roubadora,
Deixai-me descansar em paz hum'hora,
Que comigo ganhais pouca victoria.

Impressa tenho na alma larga historia
Deste passado bem, que nunca fôra;
Ou fôra, e não passára: mas ja agora
Em mi não póde haver mais que a memoria.

Vivo em lembranças, morro de esquecido
De quem sempre devêra ser lembrado,
Se lhe lembrára estado tão contente.

Oh quem tornar pudéra a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
Se conhecer soubera o mal presente.



XIX

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Ceo eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento Ethereo, onde subiste,
Memoria desta vida se consente,
Não te esqueças de aquelle amor ardente,
Que ja nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que póde merecer-te
Algũa cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remedio, de perder-te;

Roga a Deos que teus annos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.