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SONETOS.


XXVI.

Em formosa Lethea se confia,
Por onde vaidade tanta alcança,
Que, tornada em soberba a confiança,
Com os deoses celestes competia.

Porque não fosse avante esta ousadia,
(Que nascem muitos erros da tardança)
Em effeito puzerão a vingança
Que tamanha doudice merecia.

Mas Oleno, perdido por Lethea,
Não lhe soffrendo Amor que supportasse
Duro castigo em tanta formosura,

Quiz a pena tomar da culpa alhea:
Mas, porque a Morte Amor não apartasse,
Ambos tornados são em pedra dura.



XXVII

Males, que contra mim vos conjurastes,
Quanto ha de durar tão duro intento?
Se dura, porque dure meu tormento,
Baste-vos quanto ja me atormentastes.

Mas se assi porfiais, porque cuidastes
Derribar o meu alto pensamento,
Mais póde a causa delle, em que o sustento,
Que vós, que della mesma o ser tomastes.

E pois vossa tenção com minha morte
He de acabar o mal destes amores,
Dai ja fim a tormento tão comprido.

Assi de ambos contente será a sorte;
Em vós por acabar-me, vencedores,
Em mim porque acabei de vós vencido.