Página:Obras de Manoel Antonio Alvares de Azevedo v2.djvu/298

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cipreste ou numa nuvem de miasmas; o que era um corpo do verme vai alvejar-se no cálice da flor ou na fronte da criança mais loira e bela. Como Schiller o disse, o átomo da inteligência de Platão foi talvez para o coração de um ser impuro. Pôr isso eu vo-lo direi: se entendeis a imortalidade pela metempsicose, bem! talvez eu creia um pouco: — pelo Platonismo, não!

— Solfieri! és um insensato! o materialismo é árido como o deserto, e escuro como um túmulo! A nós frontes queimadas pelo mormaço do sol da vida a nos sobre cuja cabeça a velhice regelou os cabelos, essas crianças frias! A nós os sonhos do espiritualismo!

— Archibald! deveras, que é um sonho tudo isso! No outro tempo o sonho da minha cabeceira era o espírito puro ajoelhado no seu manto argênteo, num oceano de aromas e luzes! Ilusões! a realidade é a febre do libertino, a taça na mão, a lascívia nos lábios e a mulher seminua, trêmula e palpitante sobre os joelhos.

— Blasfêmia — e não crês em mais nada: teu ceticismo derribou sodas as estatuas do teu templo, mesmo a de Deus?

— Deus! crer em Deus! sim como o grito intimo o revela nas horas frias do medo — nas horas em que se tirita de susto e que a morte parece roçar úmida por nós! Na jangada do naufrago, no cadafalso, no deserto — sempre banhado do suor frio — do terror e que vem a crença em Deus! — Crer nele como a utopia do bem