Página:Odysséa de Homero (1928).pdf/163

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Mas vítima seria, se o porqueiro,
Cair deixando o coiro, á pressa e em gritos
Não viesse a pedradas enchotal-os.
E a elle se virou: «Meus cães, ó velho,
Quase, por meu labéo, que te espedaçam,30
E os deuses de outras penas me acabrunham:
Choro a engordar os cerdos para estranhos,
E o meu divo senhor quiçá faminto
Vaga de povo em povo, se é que vive
E goza a luz do Sol. Comida e vinho35
Terás naquela choça, e tu repleto,
Me refiras teus males e aventuras.»

Na choça introduzido, em ramas densas,
De agreste cabra com velosa pele,
Do porqueiro acamadas, pousa Ulysses,40
E lho agradece: «Abençoado amigo,
Compensem-te os Supremos o agasalho.»

Tu respondeste, Eumeu: «Ninguém desprezo,
Qualquer acolherei de ti somenos;
Jove os mendigos e hospedes protege,45
Aprova os tênues dons que a medo faço,
Pobre servo, a mancebo submetido!
O Céo de meu senhor veda o regresso,
Que tanto me queria, e, como é de uso
Para com bons escravos laboriosos,50
A envelhecer aqui, me enriquecera
Com mulher e pecúlio, pois os deuses
Têm prosperado meu serviço. Ai dele!
Pereça toda a geração de Helena,
Dano e exicio de heróis! Para essa Tróia55
Também foi meu senhor vingar o Atrida.»

E ataca mal o cinto, e dous farroupos
Trazendo, os mata e lhes chamusca pêlo,
Corta, espeta, e no espeto o assado quente
Oferece e apolvilha de farinha;60
Vinho melífluo em copo de sobreiro
Mistura, á face do hospede se assenta:
«Anda, ora come do que aos servos cabe;
Os cevados aos procos se reservam,
Que do castigo olvidam-se impiedosos.65