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ORIGEM DAS ESPÉCIES

me servirá ao mesmo tempo para demonstrar como pode efectuar-se gradualmente a separação dos sexos entre as plantas. Certos azevinhos têm apenas flores masculinas, providas de um pistilo rudimentar e de quatro estames que produzem uma pequena quantidade de pólen; outros têm apenas flores femininas, com um pistilo muito desenvolvido e quatro estames com anteras não desenvolvidas, nas quais se não descobriria um único grão de pólen. Tendo observado uma árvore feminina à distância de 60 metros de uma árvore masculina, coloquei no microscópio os estigmas de vinte flores colhidas de diversos ramos. Em todos, sem excepção, notei a presença de alguns grãos de pólen, e em alguns uma profusão. O pólen não tinha podido ser transportado pelo vento, que, desde alguns dias, soprava numa direcção contrária. O tempo estava frio, tempestuoso, e por consequência pouco favorável às visitas das abelhas; contudo, todas as flores que examinei tinham sido fecundadas por abelhas que voavam de árvore em árvore, em busca de néctar. Voltemos à nossa demonstração: desde que a planta se torna assaz atraente para os insectos para que o pólen seja transportado regularmente de flor em flor, uma outra série de factos começa a produzir-se. Nenhum naturalista põe em dúvida as vantagens do que se chama a divisão fisiológica do trabalho. Pode concluir-se daí que seria proveitoso para as plantas produzir únicamente estames em uma flor ou em um arbusto completo, e unicamente pistilos em outra flor ou em outro arbusto. Entre as plantas cultivadas e colocadas por isso em novas condições de existência, umas vezes os órgãos masculinos e outras vezes os órgãos femininos tornam-se mais ou menos impotentes. Ora, se nós supomos que isto se pode produzir, em qualquer grau que seja, no estado de natureza, estando o pólen já regularmente transportado de flor em flor e sendo útil a completa separação dos sexos do ponto de vista da divisão do trabalho, os indivíduos em que esta tendência cresça progressivamente são cada vez mais favorecidos e escolhidos, até que enfim a completa separação dos sexos se efectue. Seria preciso demasiado espaço para demonstrar como, pelo dimorfismo, ou por outros meios, certamente hoje em acção, se efectua actualmente a separação dos sexos entre as plantas de diversas espécies. Mas posso juntar, que, segundo Asa Gray, algumas espécies de azevinhos, na América setentrional, se encontram exactamente numa posição intermediária, ou, para empregar a sua expressão, são mais ou menos diòicamente poligâmicas.

Examinemos agora os insectos que se nutrem de néctar. Podemos supor que a planta, de que vimos aumentar as secre-