Página:Origem das espécies (Lello & Irmão).pdf/130

Wikisource, a biblioteca livre
104
ORIGEM DAS ESPÉCIES

inferiores tendo caracteres intermediários, isto é, os que não eram nem muito rápidos nem muito fortes, nunca deviam ter sido empregados na reprodução, tendendo assim a desaparecer. Vemos pois aqui, nas produções do homem, a acção do que se pode chamar «o princípio da divergência»; em virtude deste princípio, as diferenças, pouco apreciáveis no começo, aumentam continuamente, e as raças tendem a desviar-se cada vez mais umas das outras e da origem comum.

Mas como, dir-se-á, pode aplicar-se em a natureza um princípio análogo? Creio que pode aplicar-se e se aplica da forma mais eficaz (mas devo confessar que me foi necessário muito tempo para compreender como), em razão desta simples circunstância de que quanto mais os descendentes de uma espécie qualquer se tornarem diferentes em relação à estrutura, constituição e hábitos, tanto mais estarão no caso de se apoderarem de lugares numerosos e muito diferentes na economia da natureza, e por consequência aumentar um número.

Podemos claramente distinguir este facto entre os animais que têm hábitos simples. Tomemos, por exemplo, um quadrúpede carnívoro e admitamos que o número destes animais atingiu, há muito tempo, o máximo do que pode nutrir um país qualquer. Se a tendência natural deste quadrúpede a multiplicar-se continua a actuar, e as condições actuais do país que habita não sofreram modificação alguma, só pode chegar a crescer em número com a condição de os seus descendentes variáveis se apoderarem de lugares presentemente ocupados por outros animais: uns, por exemplo, tornando-se capazes de se alimentarem de novas espécies de presas mortas ou vivas; outros, habitando novas estações, subindo às árvores, tornando-se aquáticos; outros, enfim, talvez, tornando-se menos carnívoros. Quanto mais os descendentes deste animal carnívoro se modificam relativamente aos hábitos e estrutura, tanto mais podem ocupar lugares em a natureza. O que se aplica a um animal, aplica-se a todos os outros e em todos os tempos, com a condição, contudo, de serem susceptíveis de variações, porque de outra forma a selecção natural nada pode. O mesmo sucede com as plantas. Prova-se pela experiência que, se se semeia num canteiro uma só espécie de gramíneas, e num canteiro semelhante muitos géneros distintos de gramíneas, criam-se neste segundo canteiro mais plantas e recolhe-se um peso mais considerável de ervas secas que no primeiro. Esta mesma lei aplica-se também quando se semeia, em espaços semelhantes, quer uma só variedade de trigo, quer muitas variedades misturadas. Por consequência, se uma espécie qualquer de gramí-