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ORIGEM DAS ESPÉCIES

tudo, encontrarem-se dois ou mesmo três num ninho. Os ovos do cuco bronzeado variam muito de tamanho: tem oito a dez linhas de comprimento. Ora, se houvesse vantagem em esta espécie pôr ovos ainda mais pequenos, quer para enganar as outras aves, quer mais provavelmente para que sejam chocados mais ràpidamente (porque se assegura que há uma certa relação entre a grandeza do ovo e a duração da incubação), facílimo é admitir-se que teria podido formar-se uma raça ou espécie de que os ovos fossem ainda mais pequenos, porque estes ovos teriam mais probabilidades em se sair bem. M. Ramsay notou que dois cucos australianos, quando põem num ninho aberto, escolhem de preferência os que contenham já ovos da mesma cor dos seus. Há também, na espécie europeia, uma tendência para um instinto semelhante, mas dela se afasta muita vez, por que se encontram ovos escuros e cinzentos em meio de ovos de um azul-esverdeado brilhante da toutinegra. Se o nosso cuco fizesse invariavelmente prova do instinto em questão, tê-lo-ia certamente juntado a todos os que devia, como se pretende, necessàriamente adquirir em conjunto. A cor dos ovos do cuco bronzeado australiano, segundo M. Ramsay, varia extraordinàriamente; de modo que tanto a este respeito, como pelo tamanho, a selecção natural teria certamente podido escolher e fixar toda a variação vantajosa.

O novo cuco europeu expulsa ordinàriamente do ninho, três dias depois do nascimento, os filhos dos seus pais adoptivos. Como é ainda muito fraco nesta idade, M. Gould estava outrora disposto a acreditar que os pais se encarregam por si mesmo de expulsar os próprios filhos. Mas devia mudar de opinião sobre tal assunto, porque observou um novo cuco, ainda cego, e tendo a custo força para levantar a cabeça, a caminho de expulsar do ninho os seus irmãos adoptivos. O observador colocou uma destas pequenas aves no ninho e o cuco lançou-o fora. Como se terá produzido este estranho e odioso instinto? Se é muito importante para o novo cuco, e é provavelmente o caso, receber, depois do nascimento, a maior nutrição possível, não vejo grande dificuldade em admitir que, durante numerosas gerações sucessivas, tenha gradualmente adquirido o desejo cego, a força e a conformação mais própria para expulsar os companheiros; com efeito, os novos cucos dotados deste hábito e desta conformação estão mais seguros de vencer. Pode ser que o primeiro passo para a aquisição deste instinto tenha sido apenas uma disposição turbulenta do novo cuco numa idade um pouco mais avançada; em seguida, este hábito desenvolveu-se e transmitiu-se por hereditariedade a uma idade mais tenra. Isto não me parece