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ORIGEM DAS ESPÉCIES

cetáceos e os ganóides eram únicos; por conseguinte, segundo o tipo de superioridade que se escolher, poderá dizer-se que a organização dos peixes progrediu ou retrogradou. Parece completamente impossível avaliar da superioridade relativa dos tipos pertencendo a classes distintas; porque quem poderá decidir, por exemplo, se uma siba é mais elevada que uma abelha, insecto este a que Von Baer atribuía «uma organização superior à de um peixe, posto que construído em outro molde?» Na complexa luta pela existência, é perfeitamente possível que os crustáceos, mesmo pouco elevados na sua classe, possam vencer os cefalópodes, que constituem o tipo superior dos moluscos; estes crustáceos, se bem que tenham um desenvolvimento inferior, ocupam uma ordem muito elevada na escala dos invertebrados, a avaliar pela prova mais decisiva de todas, o combate. Além destas dificuldades inerentes que se apresentam quando se trata de determinar quais as formas mais elevadas pela sua organização, é necessário não comparar somente os membros superiores de uma classe em duas épocas quaisquer — posto que seja isto, sem dúvida, o facto mais importante a ponderar na balança — mas ainda comparar entre si todos os membros da mesma classe, superiores e inferiores, durante um e outro período. Numa época afastada, os moluscos mais elevados e mais inferiores, os cefalópodes e os branquiópodes, abundavam em número; actualmente, estas duas ordens têm diminuído muito, enquanto que outros, cuja organização é intermédia, têm aumentado consideravelmente. Alguns naturalistas sustentam como consequência que os moluscos apresentavam outrora uma organização superior à que hoje têm. Mas pode exibir-se, em apoio da opinião contrária, o argumento bem mais forte baseado no facto da enorme redução dos moluscos inferiores, e o facto de os cefalópodes existentes, ainda que pouco numerosos, apresentarem uma organização muito mais elevada do que a dos antigos representantes. Necessário é também comparar os números proporcionais das classes superiores e inferiores existentes em toda a parte em duas épocas quaisquer; se, por exemplo, existem hoje cinquenta mil formas de vertebrados, e se soubermos que numa época anterior existiam apenas dez mil, é preciso tomar conta deste aumento em número da classe superior que implica um deslocamento considerável das formas inferiores, e que constitui um progresso decisivo na organização universal. Vemos por aqui quanto é difícil, para não dizer impossível, comparar, com uma perfeita exactidão, através de condições tão complexas, o grau de superioridade relativa dos organismos imperfeitamente conhecidos que têm constituído as faunas dos diversos períodos sucessivos.