Página:Origem das espécies (Lello & Irmão).pdf/414

Wikisource, a biblioteca livre
388
ORIGEM DAS ESPÉCIES

Vejamos agora se a hipótese de M. Croll sobre um período mais quente no hemisfério austral, enquanto que o hemisfério boreal sofria o frio intenso da época glaciária, lança alguma luz sobre esta distribuição, inexplicável na aparência, dos diversos organismos nas partes temperadas dos dois hemisférios, e sobre as montanhas das regiões tropicais. Medido em anos, o período glaciário deve ter sido muito longo, mais que suficiente, numa palavra, para explicar todas as migrações, se se considerar quão poucos séculos são necessários para que certas plantas e certos animais naturalizados se espalhem em imensos espaços. Sabemos que as formas árcticas invadiram as regiões temperadas à medida que a intensidade do frio aumentava, e, depois destes factos que acabamos de citar, é necessário admitir que algumas das formas temperadas mais vigorosas, mais dominantes e mais espalhadas, deviam ter então penetrado até às planícies equatoriais. Os habitantes destas planícies equatoriais devem ter, ao mesmo tempo, emigrado para as regiões intertropicais do hemisfério sul, mais quente nesta época. No declive do período glaciário, tomando os dois hemisférios gradualmente a sua temperatura precedente, ocupando as formas temperadas setentrionais, as planícies equatoriais deviam ter sido repelidas para o norte, ou destruídas e substituídas pelas formas equatoriais vindas do sul. E, contudo, muito provável que algumas dessas formas temperadas se tenham retirado para as partes mais elevadas da região; ora, se estas partes fossem bastante elevadas, teriam sobrevivido aí e aí ficariam como as formas árcticas nas montanhas da Europa. No caso mesmo em que o clima não fosse perfeitamente conveniente, deviam ter podido sobreviver, porque a mudança de temperatura devia ter sido muito lenta, e o facto de as plantas transmitirem aos descendentes aptidões constitucionais diferentes para resistir ao calor e ao frio, prova que possuem incontestàvelmente uma certa aptidão à aclimatação.

Se o curso regular dos fenómenos trouxesse um período glaciário no hemisfério austral e superabundância de calor no hemisfério boreal, as formas temperadas meridionais deviam por seu turno ter invadido as planícies equatoriais. As formas setentrionais, outrora vivendo nas montanhas, deviam ter descido então e ter-se misturado com as formas meridionais. Estas últimas, na volta do calor, deviam ter-se retirado para o seu antigo habitat, deixando algumas espécies nos cumes, e arrastando consigo para o sul algumas das formas temperadas do norte que tinham descido das suas posições elevadas nas montanhas. Devemos, pois, encontrar algumas espécies idênticas nas zonas tem-