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ORIGEM DAS ESPÉCIES

mesmo órgão no seu estado reduzido, exactamente na mesma idade, mas afectando somente em raros casos o embrião. Assim se explica porque os órgãos rudimentares são relativamente maiores no embrião que no adulto. Se, por exemplo, o dedo de um animal adulto serve cada vez menos, durante numerosas gerações, por algumas alterações sucessivas nos seus hábitos, ou se um órgão ou uma glândula exercia menos funções, poderia concluir-se que se reduziriam em tamanho nos descendentes adultos deste animal, mas que conservariam quase o tipo original do seu desenvolvimento no embrião.

Todavia, subsiste ainda uma dificuldade. Depois que um órgão deixou de servir e que tem, por isso, diminuído em grandes proporções, como pode ainda sofrer uma diminuição ulterior até não deixar mais que vestígios imperceptíveis e por fim desaparecer? Não é possível que a falta de uso possa continuar a produzir novos efeitos sobre um órgão que cessou de desempenhar todas as suas funções. Seria indispensável poder dar aqui algumas explicações, nas quais não posso infelizmente entrar. Se pudesse provar-se, por exemplo, que todas as variações das partes tendem à diminuição tanto como ao aumento do volume dessas partes, seria fácil compreender que um órgão inútil se tornaria rudimentar, independentemente dos efeitos da falta de uso, e seria em seguida completamente suprimido, porque todas as variações tendendo a uma diminuição de volume cessariam de ser combatidas pela selecção natural. O princípio de economia de crescimento explicado num capítulo precedente, em virtude do qual os materiais destinados à formação de um órgão são economizados tanto quanto possível, se este órgão se torna inútil para o seu possuidor, tem talvez contribuido a tornar rudimentar uma parte inútil do corpo. Mas os efeitos deste princípio deviam ter necessàriamente influenciado apenas as primeiras fases da marcha da diminuição; porque não podemos admitir que uma pequena papila representando, por exemplo, numa flor masculina, o pistilo da flor feminina, e formada ùnicamente de tecido celular, possa ser reduzida cada vez mais ou reabsorvida completamente para economizar qualquer alimento.

Enfim, quaisquer que sejam as fases que hajam percorrido para chegarem a este estado actual que os torna inúteis, os órgãos rudimentares, conservados como têm sido apenas pela hereditariedade, dão-nos a ideia de um estado primitivo das coisas. Podemos, pois, compreender, no ponto de vista genealógico da classificação, como é que os sistematistas, procurando colocar os organismos no seu verdadeiro lugar no sistema natural, têm muitas vezes notado que as partes rudimentares são