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RECAPITULAÇÃO E CONCLUSÕES
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perguntar-se porque não vemos em redor de nós todas essas formas intermédias, e porque todos os seres organizados não estão confundidos num inextricável caos. A respeito das formas existentes, devemos recordar que não temos razão alguma, salvo em casos muito raros, para esperar encontrar formas intermediárias ligando-as directamente umas às outras, mas sòmente aquelas que ligam cada uma delas a alguma forma suplantada e extinta. Mesmo numa vasta superfície, que ficou contínua durante um longo período, e cujo clima e outras condições de existência mudam insensivelmente, passando de um ponto habitado por uma espécie a outro habitado por uma espécie estreitamente ligada, quase sempre nos é vedado encontrar variedades intermédias nas zonas intermédias. Há sempre o direito de acreditar, com efeito, que, num género, algumas espécies sòmente sofrem modificações, e outras se extinguem sem deixar posteridade variável. Quanto às espécies que se modificam, há poucas que o façam ao mesmo tempo na mesma região, e todas as modificações são lentas. Demonstrei também que as variedades intermédias, que têm provàvelmente ocupado a princípio zonas intermediárias, devem ter sido suplantadas por formas aliadas existindo de uma parte e de outra; porque estas últimas, sendo as mais numerosas, tendem, por esta razão mesmo, a modificar-se e a aperfeiçoar-se mais ràpidamente que as espécies intermediárias menos abundantes; de modo que estas devem ter sido, há muito, exterminadas e substituídas.

Se a hipótese do extermínio de um número infinito de fuzis ligando os habitantes actuais com os habitantes extintos do globo, e, em cada período sucessivo, ligando as espécies que viveram com as formas mais antigas, é fundada, porque não encontramos, em todas as formações geológicas, uma grande abundância destas formas intermediárias? Porque é que as nossas colecções de restos fósseis nos não fornecem a prova evidente da gradação e das mutações das formas viventes? Posto que as pesquisas geológicas hajam incontestàvelmente revelado a existência passada de um grande número de fuzis que têm já aproximado umas às outras muitas formas da vida, não apresentam, contudo, entre as espécies actuais e as espécies passadas, todas as gradações infinitas e insensíveis que reclama a minha teoria, e é esta, sem contradita, a objecção mais séria que pode opor-se-lhe. Porque se vêem ainda grupos inteiros de espécies aliadas que parecem (aparência, em verdade, muitas vezes enganosa), surgir sùbitamente nas camadas geológicas sucessivas? Posto que saibamos agora que os seres organizados têm habitado o globo desde uma época cuja antiguidade é incalculável, muito