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ORIGEM DAS ESPÉCIES

nidas. As espécies dominantes, que fazem parte dos grupos principais de cada classe, tendem a dar origem a formas novas e dominantes, e cada grupo principal tende sempre também a crescer cada vez mais, e ao mesmo tempo, a apresentar caracteres sempre mais divergentes. Mas, como nem todos os grupos podem assim procurar aumentar em número, porque a Terra não poderia contê-los, os mais dominantes avançam sobre os que o são menos. Esta tendência que têm os grupos já consideráveis para aumentar sempre e divergir pelos seus caracteres, junta à consequência quase inevitável de extinções frequentes, explica o arranjo de todas as formas vivas em grupos subordinados a outros grupos, e todos compreendidos num pequeno número de grandes classes, arranjo que prevaleceu em todos os tempos. Este grande facto do agrupamento de todos os seres organizados, pelo que se chamou o sistema natural, é absolutamente inexplicável na hipótese das criações.

Como a selecção natural actua somente acumulando variações ligeiras, sucessivas e favoráveis, não pode produzir modificações consideráveis ou súbitas; só pode agir a passos lentos e curtos. Esta teoria torna fácil de compreender o axioma: Natura non facit saltum, que cada nova conquista da ciência mostra logo todos os dias ser verdadeiro. Vemos ainda como, em toda a natureza, o mesmo fim geral é atingido por uma variedade quase infinita de meios; porque toda a particularidade, uma vez adquirida, é por muito tempo hereditária, e conformações diversificadas por muitos modos diferentes têm que adaptar-se ao mesmo fim geral. Vemos, numa palavra, porque a natureza é pródiga em variedades, sendo muito avara em inovações. Ora, porque razão existiria esta lei se cada espécie fosse independentemente criada? É o que ninguém saberia explicar.

Um grande número de outros factos parecem explicar por esta teoria. Não é estranho que uma ave tendo a forma do picanço se nutra de insectos terrestres; que um pato, habitando as terras elevadas e não nadando, ou pelo menos raramente, tenha os pés palmados; que uma ave semelhante ao melro mergulhe e se nutra de insectos subaquáticos; que uma procelária tenha hábitos e conformação convenientes para a vida de um pinguim, e bem assim um conjunto de outros casos? Mas na hipótese de cada espécie se esforçar constantemente em crescer em número, enquanto que a selecção natural está sempre pronta a actuar para adaptar os seus descendentes, lentamente variáveis, a todo o lugar que, na natureza, está desocupado ou imperfeitamente preenchido, este factos cessam de ser extraordinários e eram mesmo de prever.