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ORIGEM DAS ESPÉCIES

em seguida a cruzamentos sucessivos, e sobre outros pontos. Esta semelhança seria bizarra se as espécies fossem o produto de uma criação independente e as variedades fossem produzidas pela acção de causas secundárias.

Se se admite que os documentos geológicos são muito imperfeitos, todos os factos que dai dimanam vêm em apoio da teoria da descendência com modificações. As espécies novas têm aparecido em cena lentamente e com intervalos sucessivos; a soma das alterações operadas em períodos iguais é muito diferente nos diversos grupos. A extinção das espécies e de grupos completos de espécies, que tem gozado um papel tão considerável na história do mundo orgânico, é a consequência inevitável da selecção natural; porque as formas antigas devem ser suplantadas pelas formas novas e aperfeiçoadas. Quando a cadeia regular das gerações é interrompida, nem as espécies nem os grupos de espécies perdidas reaparecem jamais. A difusão gradual das formas dominantes e as lentas modificações dos seus descendentes fazem que depois de longos intervalos de tempo as formas vivas pareçam ter simultâneamente chegado a toda a Terra. O facto de os restos fósseis de cada formação apresentarem, em certa escala, caracteres intermediários, comparativamente aos fósseis mergulhados nas formações inferiores e superiores, explica-se simplesmente pela situação intermédia que ocupam na cadeia genealógica. Este grande facto, de todos os seres extintos poderem ser agrupados nas mesmas classes que os seres vivos, é a consequência natural de que uns e outros dimanam de pais comuns. Como as espécies têm geralmente divergido em caracteres no longo curso da sua descendência e das suas modificações, podemos compreender a razão de as formas mais antigas, isto é, os antecessores de cada grupo, ocuparem muitas vezes uma posição intermédia, em certo grau, entre os grupos actuais. Consideram-se as formas novas como sendo, em conjunto, geralmente mais elevadas na escala da organização do que as formas antigas; devem-no ser, além disso, porque são as formas mais recentes e mais aperfeiçoadas que, na luta pela existência, têm devido sobrepujar as formas mais antigas e menos perfeitas; os seus órgãos devem ter-se também especializado muito para desempenhar as suas diversas funções. Este facto é por completo compatível com o da persistência de seres numerosos, conservando ainda uma conformação elementar e pouco perfeita, adaptada às condições de existência simples; é também compatível com o facto de a organização de algumas formas haver retrogradado, porque estas formas se têm sucessivamente adaptado, em cada fase da sua descendência,