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ORIGEM DAS ESPÉCIES

quentes, torna-se fácil compreender a causa de as ilhas oceânicas serem apenas povoadas por um número restrito de espécies, e porque a maior partes destas espécies são especiais ou endémicas; porque não se encontram nestas ilhas espécies pertencendo aos grupos de animais que não podem atravessar largos braços de mar, tais como as rãs e os mamíferos terrestres; porque, por outra parte, se encontram nas ilhas muito afastadas de todo o continente espécies particulares e novas de morcegos, animais que podem atravessar o Oceano. Factos tais como a existência de todas as espécies de morcegos nas ilhas oceânicas, com exclusão de todos os outros animais terrestres, são absolutamente inexplicáveis pela teoria das criações independentes.

A existência de espécies aliadas ou representativas em duas regiões quaisquer implica, segundo a teoria da descendência com modificações, que as mesmas formas parentes habitaram outrora as duas regiões; encontramos, com efeito, quase invariàvelmente, que, quando duas regiões separadas são o habitat de muitas espécies estreitamente ligadas, algumas espécies idênticas são ainda comuns às duas. Por toda a parte onde se encontram muitas espécies estreitamente unidas, mas distintas, encontram-se também formas duvidosas e variedades pertencendo aos mesmos grupos. Em regra geral, os habitantes de cada região têm laços estreitos de parentesco com os que ocupam a região que parece ter sido a fonte mais aproximada daquela de onde os colonos podiam ter partido. Encontramos a prova nas relações frisantes que se notam entre quase todos os animais e quase todas as plantas do arquipélago de Galápagos, de João Fernandes e outras ilhas americanas e as formas que povoam o continente americano vizinho. As mesmas relações existem entre os habitantes do arquipélago de Cabo Verde e das ilhas vizinhas e os do continente africano; ora, é necessário reconhecer que, segundo a teoria da criação, estas relações ficam inexplicáveis.

Vimos que a teoria da selecção natural com modificações, arrastando as extinções e a divergência dos caracteres, explica a razão de todos os seres organizados passados e presentes poderem dispor-se, num pequeno número de grandes classes, em grupos subordinados a outros grupos, nos quais os grupos extintos se intercalam muitas vezes entre os grupos recentes. Estes mesmos princípios mostram também a causa de as afinidades mútuas das formas serem, em cada classe, tão complexas e tão indirectas; porque certos caracteres são mais úteis que outros para a classificação; porque os caracteres de adaptação não têm quase importância alguma para tal fim, posto que indispensáveis ao indivíduo; porque os caracteres derivados de partes rudimen-