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RECAPITULAÇÃO E CONCLUSÕES
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idades por vir, porque o modo de agrupamento de todos os seres organizados nos prova que, em cada género, o maior número de espécies, e que todas as espécies em muitos géneros, não deixaram descendente algum, mas estão totalmente extintas. Podemos mesmo lançar ao futuro um volver de olhos profético e predizer que são as espécies mais comuns e as mais espalhadas, pertencendo aos grupos mais consideráveis de cada classe, que prevalecerão ulteriormente e que procriarão espécies novas preponderantes. Como todas as formas actuais da vida descendem em linha recta das que viviam muito tempo antes da época cambriana, podemos estar certos de que a sucessão regular das gerações jamais foi interrompida e que nenhum cataclismo subverteu o mundo por completo. Podemos, pois, contar, com alguma confiança, sobre um futuro de incalculável comprimento. Ora, como a selecção natural actua apenas para o bem de cada indivíduo, todas as qualidades corporais e intelectuais devem tender a progredir para a perfeição.

É interessante contemplar uma ribeira luxuriante, atapetada com numerosas plantas pertencentes a numerosas espécies, abrigando aves que cantam nos ramos, insectos variados que volitam aqui e ali, vermes que rastejam na terra húmida, se se pensar que estas formas tão admiràvelmente construídas, tão diferentemente conformadas, e dependentes umas das outras de uma maneira tão complexa, têm sido todas produzidas por leis que actuam em volta de nós. Estas leis, tomadas no seu sentido mais lato, são: a lei do crescimento e reprodução; a lei da hereditariedade que implica quase a lei de reprodução; a lei de variabilidade, resultante da acção directa e indirecta das condições de existência, do uso e não uso; a lei da multiplicação das espécies em razão bastante elevada para trazer a luta pela existência, que tem como consequência a selecção natural, que determina a divergência de caracteres, a extinção de formas menos aperfeiçoadas. O resultado directo desta guerra da natureza que se traduz pela fome e pela morte, é, pois, o facto mais admirável que podemos conceber, a saber: a produção de animais superiores. Não há uma verdadeira grandeza nesta forma de considerar a vida, com os seus poderes diversos atribuídos primitivamente pelo Criador a um pequeno número de formas, ou mesmo a uma só? Ora, enquanto que o nosso planeta, obedecendo à lei fixa da gravitação, continua a girar na sua órbita, uma quantidade infinita de belas e admiráveis formas, saídas de um começo tão simples, não têm cessado de se desenvolver e desenvolvem-se ainda!

FIM