Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/307

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desordem e talvez de sérias catastrophes. Agora quem me agrada mais e muito mais é o tio Luiz. Sim, senhores. Acho-o menos bravo, apesar dos seus furores. Como elle fallava da filha do Thomé! Do Thomé, que é a final a pedra de escandalo d'isto tudo! Quem o domaria a este ponto? A rapariga, ao que parece, tem condão para se insinuar. O tio Luiz tem um grande fraco por ella, conhece-se. Já o que o padre me contou de quando foi a historia de entrega das chaves, e agora esta entrevista... Preciso de conhecer Bertha; está dito. É uma influencia que é bom cultivar. Digam o que quizerem; não ha nada melhor para amansar um velho bravio como este. É vêr a falta que fez aquella pobre Beatriz. Ao pé de um velho quer-se sempre uma rapariga para não os deixar azedar e tomar estes ares selvagens e opiniões avinagradas, que o tio Luiz já ia adquirindo. Nada; o padre procurador o mais distante d'elle possivel, que prégue a outros os seus soporiferos sermões sobre o direito divino e sobre a corrupção da época; no logar d'elle colloquemos Bertha, e quero saber se o leão não ha de amansar. Agora vamos lá vêr Mauricio. Para fallar a verdade, ainda não sei bem o que se ha de fazer d'elle; mas em todo o caso, mandemol-o para Lisboa, porque nos está causando muito embaraço aqui.

E Gabriella dirigiu-se para a sala do almoço, onde Mauricio todas as manhãs a precedia.

Encontrou-o na varanda, que deitava para uma ribanceira, como absorvido na contemplação do abundante jorro de agua que d'alli se despenhava por entre fetos vigorosos, cuja rama encobria o fundo do precipicio. Os raios do sol da manhã irisavam a humida poeira, que a a agua, ao quebrar-se, levantava do abysmo.

Gabriella aproximou-se de Mauricio sem ser percebida, e depois de o observar alguns momentos, poisou-lhe a mão no hombro.

Mauricio voltou-se quasi sobresaltado. Ao vêr a prima sorriu.

— Não a senti chegar.

— Isso vi eu. Que profunda meditação era essa?