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a minha Bertha, que sabe o valor que teem os homens, a quem o snr. Jorge dá esse nome.

— Ah! não sabia que eu era a pedra de toque no conceito de Bertha para julgar dos caracteres dos homens. Mais um motivo para ser reservado.

— Diga-me uma coisa, snr. Jorge — insistiu Thomé, e em tom mais decidido — se soubesse que o Clemente era um miseravel, um vicioso, um extravagante, de más qualidades, e estivesse persuadido de que seria um mau marido, ter-se-ia encarregado de pedir-me, em nome d'elle, a mão de minha filha?

— Por certo que não — respondeu Jorge promptamente e com toda a lealdade.

— Muito bem; pois é isso mesmo que eu desejava que minha filha soubesse. O snr. Jorge não lhe daria conselhos, dir-lhe-ia sómente: encarreguei-me de dar este passo, porque este homem é um homem honrado. Agora o mais é com ella. Mas isso poria as coisas no seu logar. Porém uma vez que não quer...

Passava-se n'aquelle momento na alma de Jorge uma lucta de resoluções antagonistas. Se por um lado lhe repugnava a proposta de Thomé, tentava-o por outro a curiosidade dolorosa de saber como Bertha acolheria o pedido de Clemente e a resposta que lhe daria. Receiava que a intima commoção, que procurava suffocar, se trahisse na presença de Bertha em tão solemne momento, e ao mesmo tempo custava-lhe renunciar a observal-a quando ouvisse a proposta do pae. A curiosidade venceu. Esforçando-se por desvanecer todos os vestigios da sua perturbação, Jorge respondeu a Thomé no tom da maior indiferença, que, visto que elle julgava conveniente a sua presença durante a entrevista que ia ter com a filha, pela sua parte não oppunba objecção.

E sentando-se outra vez á banca, abriu ao acaso um livro, que fingiu examinar attento, mal podendo reprimir o tremor da mão com que o segurava.

Thomé da Povoa chamou a filha ao escriptorio.

Jorge ouviu os passos de Bertha, descendo as escadas; sentiu-a abrir a porta e entrar na sala; levantou ti-